13 março 2006

OA ou não há!

Pergunto-me, com a frequência que o tema exige, para que servirá a Ordem dos Advogados. Chamar-lhe-ei OA. Não por desrespeito, naturalmente. Nem por preguiça, com certeza. Por simplicidade.
Não se confunda OA com Ordenações Afonsinas. Nos bons e velhos tempos em que as leis eram de fácil interpretação.
"Eu, havido conselho com os da minha Corte, estabeleço por Lei e ponho para sempre, que toda a mulher que, daqui em diante, para fazer fornicação ou adultério, se for com alguém por seu grado de casa de seu marido, ou de outro onde o seu marido a tenha, que ela e o outro, com quem ela se for, ambos morram."

Não se confunda também OA com o insigne mestre Professor Doutor Oliveira Ascenção. Quando ainda se faziam manuais de exposição clara da matéria.

"III - Capital superior ao património
Por várias razões, o capital inicial pode ser logo inferior ao património social."

Exige a honestidade, que me apresente convenientemente, antes de continuar.
AR, advogado estagiário. Ao vosso dispor.

Como vos confessei, não penso mais nisto do que o absolutamente inevitável. Como tudo o que é irracional, este é um tema que me tira completamente do sério. E um advogado, estagiário embora, não pode parecer nunca fora do sério. Todas as regras deontológicas, usos, costumes, praxes e afins o impõem.

Ora, eis o que penso:
1. O curso de Direito em todas as faculdades portuguesas, ao que julgo saber, tem uma duração de 5 anos. Parece que vai deixar de ter. Parece que há para aí um processo de Bolonha. Parece que se vai conseguir ensinar tudo o que é necessário em seis semestres. Parece que sim. Mas ainda não há licenciados em Direito com menos de 5 anos de faculdade. Pelo menos!

2. Não pode ninguém exercer a advocacia sem que o pretendente esteja inscrito na (mal)dita OA.

3. Com a relativamente recente Lei 49/2004, que "define o sentido e alcance dos actos próprios dos advogados", quase tudo, se não mesmo tudo, aquilo que um licenciado em Direito sabe fazer passa a ser da exclusiva competência dos Advogados, isto é, daqueles que estão inscritos na OA.

4. Que se esqueça, se alguém pensava nisso, que existe a profissão de "jurista". O menino licenciado em Direito ou é Senhor Doutor Advogado, ou não é nada!

5. Pede-se, à entrada, como numa vulgar discoteca, que o pretendente a Advogado pague a quantia simbólica de € 600. (Já aumentou?) Simbólica, porque é o símbolo daquilo que se seguirá: não mais vai deixar de pagar na OA. Se e enquanto quiser pertencer ao clube, não já tão exclusivo, dos Advogados, naturalmente.
Sim, porque não querem ninguém contrariado!
[Os M.I. Colegas recordam-se da matéria do registo predial? O registo predial não é obrigatório! Se não for feito, não se podem transmitir os bens, mas não é obrigatório!]

6. Frequentam-se, na OA, na primeira fase de estágio, umas aulas teoricamente práticas. Os formadores são outros Ilustres Advogados. Não vou comentar, por algum respeito que me merecem todos os Colegas.
Reparem no rigor metodológico em separar o estágio em duas fases. Sempre é Direito: há um problema, que pode dividir-se em três, cada uma das três subdivisões tem sete abordagens, e cada uma dessas sete perspectivas tem quatro respostas, todas elas possíveis, defensáveis e com assento na mesma lei.

7. Faz-se um exame obrigatório nas três áreas que os Senhores Doutores Advogados lá entendem ser importantes. Porque não releva se já passaram os formandos 5 anos em exames. Todas as avaliações são irrelevantes. O que importa é a sábia opinião dos primus inter pares que compõem o quadro de examinadores da OA.

8. Só depois, devem ter passado já seis meses, pelo menos, desde o fim do curso, os licenciados podem aspirar a ser estagiários de pleno direito, ou aspirar a pagar mais uma quantia simbólica para fazer de novo o exame.
Colegas, e que exames!! Terá que ficar para outra oportunidade.

9. Mais ano e meio de escalas inúteis e oficiosos e acções de formação (grande parte pagas, pois claro!) e créditos e consultas e relatórios e mais um pagamento simbólico. Tudo pelo privilégio de se poder, de novo, ir a exame. E a oral. Quantas vezes/cheques for preciso, até conseguir a cédula profissional. A definitiva, a boa, a que justifica 7 anos de exames e propinas. Na faculdade ou na OA.

10. Dois anos depois, pode o licenciado em Direito, agora Senhor Doutor Advogado, começar a pensar na vida. Em muitos casos, começa a receber o seu primeiro ordenado! A "criança" terá, com sorte, 25 anos. Mais algum tempo para encontrar alguma estabilidade financeira. Aos 27, este "ganda maluco" quase pode começar a pensar comprar um T1 em Aveiras de Cima! Ou de baixo. E, querem ver que se pode casar, ou lá o que for?!

A OA não fez, entretanto, mais do que uns quantos exames, corrigi-los, ou lá o que fazem, e cobrar. Cobrar a estagiários que não são pagos. E que trabalham muitas horas por dia. E que fazem trabalho que os patronos assinam.

Muito bem: há advogados estagiários que são remunerados, que trabalham e apredem muito nos seus estágios, com os seus patronos. E são felizes para sempre. Mas se só há lugar para esses, não há motivos para entrarem todos os anos centenas de caloiros nas faculdades portuguesas. Nem todos podem ser médicos, são enfermeiros ou massagistas ou cabeleireiras ou cantores pimba. Perdão, cantores de música ligeira portuguesa. Não são menos por isso.

Aos Colegas Estagiários, a minha solidariedade. E um bocadinho da minha revolta.

3 Comments:

Blogger TonecasPintassilgo said...

Parabéns pelo blog!
Grande classe, assim dá gosto.
Voltarei com mais tempo...
A.

14 março, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Continua a escrever "Isolda"...

14 março, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Felizmente alguém decidiu dizer aquilo que todos pensam mas ninguém diz. Sim porque «ah e tal a vida corre bem» (aparentemente a toda a gente) mas «ah e tal» secalhar não é bem assim, não é? Ainda bem que não fui eu a escrever uma crítica análoga senão seria suspeita!

24 março, 2006  

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