18 março 2006

Olhá quota frequinha!

Os Senhores Doutores Advogados lembraram-se de proibir pactos de quota litis. E , antes que se esquecessem, fizeram um artigo no Estatuto da OA para dizer isso mesmo. Deram-lhe o número 101 e entusiasmaram-se com a epígrafe: “Proibição de quota litis e da divisão de honorários”. Ora, não se fala da divisão de honorários neste artigo. Isso é a matéria do artigo 102. Enganaram-se. Não faz mal. Alguns Senhores Doutores Advogados são humanos. Nesse artigo 102 se diz que não se podem partilhar honorários com nenhum Advogado. A menos que trabalhem juntos. Ainda bem que esclareceram isso!

Ora, um pacto de quota litis é um acordo entre um Advogado e o seu cliente pelo qual os honorários do Senhor Doutor serão apenas uma percentagem daquele que for o resultado da acção.
Parece que é uma prática proibida por se entender que o Advogado não pode associar-se à sorte do processo, tomando as preocupações do cliente. Ganhar passaria a ser tão ou mais importante para o cliente quanto para o Advogado. Parece que é isto.

E recuam até ao tempo em que os animais falavam, e as raposas eram os Advogados nos tribunais das corujas, para dissertar sobre a nobreza e dignidade da profissão, que não pode ser posta em causa nem colocada sob suspeita pelo contacto com dinheiro.
Mas já admitimos os juros. Eu diria que estamos no bom caminho.

Os Advogados eram os anciãos, os sábios, os ponderados, os sensatos. Davam os seus conselhos, resolviam questões complicadas apenas por aplicação do seu bom senso. Como uma fada madrinha: plim, a questão resolve-se assim. Sem querer outra recompensa que não fosse o cumprimento do dever de cidadania. Já estão a imaginar Cícero (o Feijão, para os amigos!): plim, a questão resolve-se assim.

A democracia também era assim: pelo bem de todos, e tudo e tudo, os melhores de cada polis derramavam a sua lucidez sobre os menos iluminados.
Péricles lá percebeu que a lucidez não alimenta ninguém e que seria preciso compensar os lúcidos, pelo azeite que deixavam de produzir. Virtudes todos temos, mas nem todos podemos mostrá-las.

Como é evidente, a advocacia é uma profissão. Na melhor das hipóteses, pode ser uma vocação, mas é essencialmente uma forma de vida. E, permitam-me: eu quero uma vida boa.
Não colhe, Senhores Doutores Advogados, o argumento de que o Advogado se não deve associar à sorte do cliente. Discordo. Naturalmente, ou não valeria a pena dizê-lo.
A sorte da lide não é indiferente ao Advogado. Nem deve ser. Como ao escritor não é indiferente que os leitores comprem o livro. Nem ao cantor que comprem os seus discos. Nem ao cozinheiro que jantem no seu restaurante. Nem... Nem...

E se a minha motivação, como Advogado, for a de estabelecer um novo caso julgado? De demonstrar que se pode obter um velho resultado de uma nova forma? Ganhar aquele caso é essencial. Não posso estar mais ligado, nem motivado ao desfecho do caso. Isso é quota litis?
Parece que, afinal, não poderia estar motivado, porque me estaria a associar ao cliente. E isso poderia pôr em causa o meu desempenho(!!). Sim, eu diria que para melhor.

Mas, sobretudo, a quota litis pode garantir o acesso aos tribunais, talvez melhor que a própria lei de acesso aos tribunais. O Advogado pode comprometer-se a suportar todas as despesas do processo até ao desfecho da causa, altura em que receberá uma parte do que conseguiu com o seu trabalho. Seria uma forma simples de garantir que todas as pessoas tivessem o acompanhamento do Advogado que lhes parecesse mais competente. Sem ter que se preocupar com as horas que o Senhor Doutor passa a tratar do caso, porque não terá como lhe pagar de cada vez que ele pedir mais uma provisão, para diligências várias. Porque primeiro o Senhor Doutor diligencia, e depois se verá o que sucede. Os tribunais até são independentes.

Por outro lado, o Advogado patrocinaria apenas as causas em que realmente acreditasse. Sem mais casos inundando os tribunais sem qualquer fundamento. Se não houver causa para procedimento judicial que permita alguma esperança de vencer o caso e, portanto, ser pago, também nenhum direito fundamental de acesso aos tribunais é posto em causa: é que não há ali nenhuma reivindicação tutelada pelo Direito.

Não vejo, afinal, que motivo pode ainda haver que justifique a proibição da quota litis. A não ser talvez a praxe. E parece que é da praxe que a praxe não mude.

3 Comments:

Blogger Vinícius said...

Bom texto brother. Concordo. Abaixo a proibição da quota litis. Que grande baboseira é ela! Ora, permitam-nos, queremos uma vida boa, com a licensa para parafraseá-lo.

11 outubro, 2009  
Blogger Ebnezer Carneiro said...

O site da OAB/MG oferece modelo de contrato profissional com "quota litis" .... a discussão não tem fim. Desconheço colegas que militam "filantropicamente", só pelo prato do dia.

04 janeiro, 2010  
Anonymous Anónimo said...

The prohibition of quota libis is supposed to focus on stopping the lawyer from on interests other than those of it's client. Very recently I had to deal with a case where a lawyer was bidding on an inheritance by appointment of it's client. Because the lawyer was acting on the premise of quota libis of 10% of the share, and on behalf of 3 separate clients in the same conference, he proceeded to bid well beyond the limits stipulated by the client and effectivelly set the "tornas" payable by it's client at a value that essencialy made it's client bankrupt. This is not a question of saying lawyers should work for free, instead it's a question of making the fees independent of the outcome, since all other issues with improper conduct are covered by the remaining points in the "Estatutos da Ordem dos Advogados".

24 abril, 2010  

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