29 março 2006

Visita de Estudo

Estive de escala. Obrigada. Por mais esta maravilhosa experiência. Obrigada. Se não tivesse sido, não me apanhavam lá.
A OA parece ter algum gosto em juntar Advogados Estagiários. Para que confraternizem, que criem laços de camaradagem, que partilhem as suas experiências e cartões de visita. Quase lhe reconheço algum instinto de alcoviteira. Ainda que sejam os candidatos a M.I. a tentar entrar na barca.

Lá hei-de ir desta maré.

Eu sô ua martela tal,
Aloutes tenho levados
E tormentos soportados
Que ninguém me foi igual.
Se fosse ò fogo infernal,
Lá iria todo o mundo!

A estoutra barca, cá fundo
Me vou, que é mais real.
Barqueiro mano, meus olhos,
Prancha a Brísida Vaz!

Pois lá estive.
Ora, nestas escalas, para lá do escárnio e mal dizer, os caros colegas, como eu, ficam completamente ao dispor de quem quer que seja que precise de um Advogado.
Há os que vão fazer perguntas, tirar dúvidas, entregar requerimentos.
Para grande parte das pessoas, ter um problema com a justiça é motivo para insónias. É verdade que quem não deve não teme. Mas também é verdade que todos cremos que onde há fumo há fogo. E a presunção de inocência é um princípio que não afronta estas verdades. E o cidadão comum apavora-se quando recebe uma carta do Tribunal. Ou do Advogado. E pegam na carta e vão onde o mandam.
- Aqui não podemos fazer nada. Vá lá ao TIC, há lá uns Advogados que o podem ajudar.
E o bonus pater familia pega na carta que recebeu em casa e desdobrou à frente da senhora daquela secretaria, e vai à procura do TIC e do Senhor Doutor Advogado. E quando chega, mete a cabeça, pede muita desculpa pelo incómodo, e pergunta se há quem o ajude. E lá vai o jovem e promissor M.I., disposto a ajudar o senhor. E o senhor conta a história da vida dele, e dos seus, e de como é um homem sério, e de como é uma injustiça, e de como ele não merecia, e de como nem dorme ultimamente, e de como não tem dinheiro para nada. E confia absolutamente no que lhe dizemos. Espera que digamos qualquer coisa tão extraordinária que ele não a perceba. E que isso resolva todos os seus problemas. Espera sair dali livre de tribunais e Advogados.
- Não querendo desrespeitá-lo, Senhor Doutor Advogado! Que o Senhor é sério! Mas a justiça, sabe como é... Claro que sabe, Senhor Doutor Advogado!
E os Senhores Doutores Advogados, tão nervosos quanto ele, a pensar em todos os livros que leram, e nas opiniões dos outros Doutores, os Professores Doutores, e nas divergências doutrinárias, e nos códigos, e nos códigos comentados. E lá fazem o requerimento. E dão o esclarecimento de que o senhor vinha à procura.
E depois há os Senhores Funcionários Judiciais, Senhores Procuradores, e Senhores Doutores Juízes. Olham de cima para baixo, com um ar paternalista, condescendente. Como quem tem coisas para ensinar. E as guarda para uma boa altura. Porque as lições também têm que se merecer.
- Ó Xotôr...
E mais não dizem. Fica para a próxima escala.
E estão os caros colegas, como eu, alinhados por ordem de chegada, à espera que toque o telefone e que sejam precisos. Porque temos que fazer um relatório para os Senhores Doutores Advogados, na OA. Como se tivéssemos ido a uma visita de estudo.