06 janeiro 2007

Estatisticando

Vi por aí umas estatísticas. Estão publicadas no site da OA. Quantos Senhores Estagiários passaram nos exames orais de agregação, realizados entre Setembro e Novembro, de que faculdades são, quantos não apareceram. É a OA em movimento!
Ora, as estatísticas são como os bikinis: mostram muita coisa, mas o mais importante continua escondido. (Não, a frase não é minha!)

Num exame oral de agregação, quis o júri saber qual é o regime jurídico do despedimento com justa causa. E o Estagiário, instruído desde o início do exame de que estava ali como Colega, cheio de confiança, explicou o regime que sabia aos Senhores membros do júri, seus Colegas. Os Colegas, Senhores membros do júri, quiseram depois saber qual o regime de despedimento com justa causa, mas na administração pública.
Aí está uma matéria que não é estudada na faculdade, nem durante a formação do estágio

[o oxímoro é uma forma de antítese lúdica e paradoxal, que inculca a uma dada expressão dois sentidos teoricamente incompatíveis, a saber: formação/estágio - http://esjmlima.prof2000.pt/figuras_estilo/figuras_estilo.html ],

nem noutra circunstância que não seja o momento em que o senhor ex-funcionário público entra no escritório do seu salvador Advogado, com a cartinha do ex-Patrão-Estado que o despede. O Mui Ilustre Colega, nosso e do júri, não sabia responder. E vai ter que fazer outro exame, uns meses depois – mas tinha pressa, Senhor Doutor? -, no qual terá que responder a outras tantas coisas importantes.

E é bom que se prepare, que saiba coisas indispensáveis ao exercício da sua profissão, como sejam:
de que cor é a bandeira do Congo?
em que artigo está prevista a lapidação das fêmeas por adultério, na lei da Nigéria?
em que página das Ordenações Afonsinas, na 2.ª edição da Fundação Calouste Gulbenkian, está escrito
: “Outro sy porque nos he dito, que em alguus lugares, também nos lugares per onde andamos, como nos outros lugares do nosso Senhorio, non temendo DEOS, nem justiça temporal, atrevendo-se em taaes usos e custumes, de que ataa qui usarom, induzem per afaagos e per outras maneiras alhuas molheres virgeens, e viúvas, que vivem honestamente, pêra fazerem maldades de seus corpos.”?

Ouvi dizer (que eu não vi, mas contou-me uma pessoa que conhece muito bem a vizinha do padrasto dele, que costumava frequentar o café aqui do fundo da minha rua, mas isso era quando estava solteiro, que se metia muito nos copos, mas depois afinou), que um Mui Douto Estagiário teve 20 valores a processo civil, 14 a processo penal e 9 a deontologia.
Vai repetir toda a primeira fase, que é para aprender o que é bom. Já o estágio lhe prometia 24 meses de diversão pura, agora são mais seis. E já sabemos que, não sendo o estágio – para a Sacrossanta OA – um procedimento urgente, todos os prazos se suspendem em férias judiciais.

- Senhor Doutor, e não só, Senhor Doutor! Também se suspende antes dos exames, Senhor Doutor, durante os exames, Senhor Doutor, depois dos exames, Senhor Doutor! Às vezes também, Senhor Doutor, quando não há exames! Se-nhor-Dou-tor!

Na faculdade, mesmo quando a avaliação é feita por meio de frequências, o que determina a passagem ou não de um aluno é a média. A OA inventou outro método. Este Mui Ilustre Colega Estagiário tem, nos três exames, média de 14,33 valores. Em qualquer faculdade, 14 valores seria uma boa média. Mas, de facto, a OA não é nenhuma faculdade.
Já sabemos também que o exame de deontologia é o que de mais parecido existe com o Euromilhões, se exceptuarmos o prémio final e as cores do boletim. Tudo pode ser ou não. Pode aplica-se este artigo ou o outro. Esse comportamento será consentido em todos os casos, com excepção daqueles em que o não seja.
Lê-se numa grelha de correcção de um exame de deontologia, como sendo respostas correctas:
a) não se verificam os pressupostos para se autorizar a junção [...];
b) verificam-se os pressupostos para se autorizar a junção [...]

Palavra de honra, não estou a manipular o que consta da grelha de correcção! Como sabem!
Pior ainda, o facto de ambas as respostas poderem estar certas não significa que qualquer delas estará certa: na OA, significa que qualquer delas estará errada.
E são estes Senhores Doutores, com as suas leis e perguntas, que determinam quem pode ou não ser advogado. Temamos.

[...] e pensou que gostava que o mundo não fosse uma queda: onde se desce cada vez mais, cada vez mais próximo do fundo, cada vez longe da luz, irreversível. Prosseguiu para a vila. Não por querer chegar. Não por querer, mas porque a tarde, porque o sol e a luz, porque uma solidão tão grande.
[...]
O fim e o desespero são a serenidade de uma solidão eterna e irremediável, são uma mágoa que é um sofrimento eterno e irremediável, tudo eterno e tudo irremediável, são o silêncio de quem chora sozinho numa noite infinita.
José Luís Peixoto, Nenhum Olhar

3 Comments:

Blogger TonecasPintassilgo said...

Boa! Já me ri a bom rir!
Não só pela razão que transpira deste texto "estatístico", como pela qualidade da mais cortante ironia que lhe dá forma.
A escolha da citação (escolha muito na moda, diga-se...)revela-se relativamente ajustada ao assunto em causa. Casamento a tender para perfeito.
Agora basta levar ao forno, regulado em lume brando, e servir depois com tempero a gosto. Acompanha, e bem, uma terrina de nabos salteados.

08 janeiro, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Andava eu a passear no google com "provas de agregação" "ordem dos advogados" e "critérios de correcção" quando vim dar aqui. Gostei. Vou fazer exame dia 3 de Março e aproveito para perguntar se há espírito fraternal que possa ajudar uma advogada (estagiária, note-se, deixem-me reduzir-me à minha insignificância)a saber onde raio há exames de outros anos com grelhas de correcção para saber qual das 37205 respostas possíveis no exame de deontologia é a menos errada. Eu sei que devia ter procurado isto na net há mais tempo, mas andava ocupada a fazer relatórios de consultas e presenças.....

01 fevereiro, 2007  
Anonymous Anónimo said...

De facto, aí está a OA no seu melhor!

25 março, 2007  

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