23 julho 2006

Oficiando

Se fossem permitidos pactos de quota litis, talvez não fosse necessário o patrocínio oficioso. Ou, digo eu, seria um recurso muito menos utilizado.
Quem julgasse ter um direito, apresentá-lo-ia ao Advogado que escolhesse. O Senhor Doutor lhe diria se a sua pretensão é tutelada pelo Direito. Se o não entendesse, essa seria uma causa que não congestionaria o Tribunal. Se tivesse fundamento, o pagamento seria feito como entendessem ambos. No início, ou no final. Se os honorários são pagos pelo cliente com o dinheiro de um depósito a prazo mobilizado para a ocasião, ou com o dinheiro recebido da indemnização que o Advogado conseguiu no Tribunal, não devia ser relevante.
De resto, nada impede que o Advogado fixe um valor que só quer receber no final da demanda. E que, se o cliente perder, não lhe exija o pagamento. Desde que se não chame quota litis...

A existir patrocínio oficioso, não concordo que sejam os Estagiários a assegurá-lo. Se se entende que é necessário garantir que todos tenham o direito a levar ao Tribunal as suas disputas, e que isso passa pela obrigação de o Estado suportar os encargos com a taxa de justiça e com os honorários do defensor oficioso, isso deve ser assumido claramente.
Os Advogados que o entendam, e apenas esses – e apenas Advogados e não Estagiários -, disponibilizam-se para serem nomeados oficiosamente. E devem sê-lo a título exclusivo. Para isso, porém, teria que se garantir o atempado pagamento da sua intervenção. O Advogado, como qualquer profissional, depende do seu trabalho. Aliás, o Estatuto da OA, no artigo 98º, número 2, permite que o Advogado recuse tratar o assunto se o cliente não entregar a provisão solicitada. Se a Justiça for a mesma e igual para todos, incluindo todos os intervenientes, o Advogado Estagiário seria pago em tempo.
Nem se diga que apenas os maus aceitariam o trabalho oficioso.

- A gente já sabe! Os bons vão para os grandes escritórios e para as empresas!

Como em qualquer profissão, é preciso criar condições atractivas o suficiente para que quem tem vocação possa exercê-la. Da mesma forma que há médicos públicos e privados, poderia haver Advogados públicos e privados. Em qualquer caso, nunca a qualidade do serviço está assegurada.

- Ouvi dizer que uma grande sociedade, muito conceituada, muito boa, deixou passar um prazo. Que eu não vi, mas ouvi dizer!

Sempre existe a Sacrossanta OA, disposta a exercer o seu poder disciplinar sobre o Advogado transviado. A zurzir o chicote da ética sobre as orelhas do Advogado atrevido.

- Ah, mas a gente sabe como são os funcionários públicos não trabalham. E tal.

Não seria o Advogado um funcionário público. Apenas um Advogado, independente por natureza na sua acção, a prestar serviços aos cidadãos. Por acaso, é pago pelo Estado. Apenas por acaso.
Fixa-se o número de Advogados necessário, apresentam-se os candidatos, seleccionam-se os que forem precisos. Como, de resto, acontece com o acesso à magistratura. Ou à Polícia Judiciária. Os licenciados em Direito têm várias saídas profissionais à sua disposição, já sabemos.

E não concordo com este modelo de patrocínio oficioso por dois motivos: pelos Estagiários e pelos oficiosos.
Pelos Estagiários, porque a defesa oficiosa é um fardo sem contrapartida. Gastam tempo a preparar um processo, muitas vezes sem qualquer contacto nem resposta pelo seu oficioso. O seu trabalho não é avaliado nem valorado para efeitos do estágio.
Se lhe é reconhecida competência técnica, não deveria estar ainda a estagiar. Se se espera que aprenda com os seus erros, alguém devia avisar o Senhor Oficioso para que desculpe qualquer coisinha.
Se o Estagiário trabalha no escritório com essas matérias, não lhe acrescenta nada. Se não trata desses assuntos, não lhe faz falta esta prática.
Que motivação terá o Estagiário para preparar a defesa de um arguido que não lhe responde, cujo julgamento será dois anos depois, e cujo pagamento demorará três anos?

- Mas têm que ser responsáveis! E participar na administração da Justiça! Ou isso!

As virtudes da honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais, usando as palavras do artigo 83º, número 2 do Estatuto da OA. Pois. E por isso, obrigados – pela consciência ou o que for – lá vão fazendo as defesas oficiosas.

Pelos oficiosos, porque se tem vulgarizado a ideia de que a defesa oficiosa não tem qualidade.

E diz o defensor oficioso confrontado pelo Juiz com a ausência do arguido:
- Meritíssimo Juiz, tem razão! Não há desculpa para a ausência do arguido! Veja lá se não pode emitir um mandado de detenção para o obrigar a estar presente!

Merecem ter defensores motivados. Que gostem do que estão a fazer. Que assumam a defesa oficiosa como a sua profissão. Como a sua vocação. Não fica bem aos Senhores Que Mandam Nisto usarem os Estagiários para fingir que o acesso aos tribunais está garantido. E que é um direito fundamental.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ora nem mais! Sem tirar nem pôr! Esta coisa da advocacia e do acesso a ela (sim ... porque isto em última análise é um complô dos senhores instalados nela para martirizar os que querem ser advogados)merece, se não uma tomada de posição, pelo menos uma atitude crítica. Porque a advocacia supostamente é como o sol: quando nasce é para todos. Isto não é ser idealista nem lírico...mentalizem-se. É que a deontologia não é só saber merdas que não interessam a ninguém!

28 julho, 2006  

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