22 junho 2006

Dixit!

Sempre os poetas souberam cantar o amor platónico. Perdem-se de amores pela alvura da pele amada, pela delicadeza de movimentos, pela transparência do olhar. Um amor que não chega nunca a ser concretizado, tão mais perfeito quanto inacessível.
Ora, deve ser este amor que sinto também pela OA. É que só pode ser amor, esta enxurrada de sentimentos que me percorre quando penso nela.

Saí da faculdade à procura da minha primeira OA. Com vontade de agradar. Com desejo de ser aceite. Com disposição para fazer o que lhe for preciso.

Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado,
E dos tratos humanos esquecido.
Camões, Rimas

Não foi correspondida esta pressa. Não foi atendida esta urgência, que tudo quanto é bom tem que ser merecido. Mantive-me, pobre tolo, enganado enquanto pude. Não mostrou a OA qualquer interesse em mim, quis quebrar-me o entusiasmo. Não aceitou a responsabilidade de ser tão desejada. Manteve-se sempre a uma distância de segurança.
Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!E ai Deus,
se verrá cedo!

Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado,
por que hei gran cuidado!
E ai Deus, se verrá cedo!
Martim Codax

E quando, por fim, se revela, se aproxima, dificulta a conquista. Não dá confiança. Que dê provas, que me esforce, que tente.

A minha vida é uma cena triste,
Dessas que se fazem numa praça
Por causa duma mulher...
Todos passam, todos olham
E sorriem da paixão...
Mas o namorado insiste:
- Minha Senhora, responda:
Sim ou não!
Sim ou não!
[...]
E o pobre pobre-diabo
Leva a mão ao coração
E diz:
- Minha Senhora,
Mate-me de uma vez...
Miguel Torga, O Outro Livro de Job

E depois de tanta hesitação, anos depois, o meu amor esmoreceu. O entusiasmo morreu. O desejo desapareceu. Quando a OA finalmente decidir, aceitar ou recusar-me, já não me importo. Estou cansado. Tenho que sair mais, conhecer outras OAs.

O dia em que eu nasci, moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o sol se escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a côr perdida,
Cuidem que o mundo se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!
Camões, Rimas

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Desalento
Chico Buarque - Vinicius de Moraes/1970

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim


Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar


Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos

22 junho, 2006  

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