Bidú bidú!
Há três coisas de que gosto nas crianças. E essas características reconheço-as também na OA. Pasmem.
Ora reparem.
As crianças têm uma completa e inabalável confiança nas pessoas. Não têm qualquer noção de dúvida nem de incerteza. E isso dá-lhes uma serena paciência.
- Mãe, ensina-me a ler!
- Quando fores mais velho, filho!
E ele espera ser mais velho. Crente e absolutamente seguro de que, se a mãe diz, assim será. E não se inquieta. Isso basta-lhe para esperar sossegado.
As crianças falam com quem regressa como se retomassem uma conversa no ponto em que ficou. Como se não tivesse havido separação. Como se não fosse preciso compreender nem perdoar a ausência.
- E vens comigo ver o filme à minha casa!
Como quem acaba uma brincadeira e planeia outra.
As crianças têm ideias próprias. São mesmo novas pessoas. Surpreendem-nos porque não conhecíamos nenhum indivíduo assim.
- Mãe, o Pai Natal tinha os sapatos do Padrinho...
Olhando algumas crianças não posso deixar de pensar na nossa OA. O mesmo ar de riso olhando a gente. O mesmo nariz empinado em jeito de desafio. A mesma gargalhada quando sabe que fez asneira. A mesma aprendizagem. A mesma tentativa de ir abusando da nossa paciência.
Como um
- Não me apanhas, não me apanhas!
ao contrário:
- Vou-te apanhar, vou-te apanhar!
Veja-se o caso da OA agora.
A mesma confiança bacoca.
- Senhor Doutor, está tudo no Regulamento! Não se preocupe com nada! Estão lá todas as respostas!
Com um sorriso de orelha a orelha, diz a Senhora, lá na OA.
Note-se a mesma capacidade para retomar a conversa, ainda que interrompida por meses.
- Não pode ser, Senhor Doutor! Vai tudo para trás! Está tudo mal, Senhor Doutor!
Repare-se na mesma capacidade de sempre dizer algo que surpreende, que não lembraria ao Diabo.
- Passe lá mais um chequezinho, Senhor Doutor! Por aquela acção de formação que não frequentou. Senhor Doutor!
- Que gracinha! – dizemos nós à criancinha.
Até ao dia, que correu pior, em que perdemos a paciência. Dois berros à canalha, castigo durante um mês. E cara alegre! Pergunto-me, como educador preocupado, se não seria tempo de dar dois berros à OA. Para seu bem. Para a educar. Receio que possa ser tarde. Se em criança é assim, temo pelo que se possa tornar na puberdade.
- Meu pobre filho. Meu pobre filho sempre tão triste. Quanto custa viver! Às vezes ponho-me a pensar no que tenho sofrido desde que nasci. E no que sofreu o teu pai. E no que sofre toda a gente pobre. E então eu digo se não era melhor que tivesses morrido em pequeno. Às vezes ias para a rua, como os teus irmãos, e passavam os carros, mas nunca nenhum de vós ficou debaixo.
Vergílio Ferreira, Manhã Submersa
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