19 abril 2006

Aceitam cheque?

O que se escreve sobre nós nunca é justo: - ou é dum amigo ou dum inimigo.
Teoria da Indiferença, António Ferro

Parece inevitável que se digam, pensem, escrevam, sintam coisas parciais. Temo (mas só um bocadinho) não ser muito imparcial com a OA. Mas também, não é característica enformadora do carácter do Advogado a sua imparcialidade. Que é como quem diz:

- Quero lá saber!

Apesar destas limitações, ao que parece inatas, os números tendem a ser mais objectivos, menos dados a promiscuidades que as palavras sempre estão dispostas a encobrir. Então vamos tentar só com números. E sem ter a OA directamente na mira.

Desde o:

- Mãezinha, vou ser Doutor!
até ao:

- Senhora Minha Mãe, estou formado e... “estagiado”!

passaram, para além dos sete anos, nos casos menos dramáticos:

a) € 4.500 em propinas, aproximadamente, pelos 5 anos de curso;
b) € 3.600 em livros, mais ou menos. Sempre são 29 cadeiras. Mais ou menos. 120 livros, cerca de 4 manuais por cadeira, a € 30 cada um. Não contando com fotocópias várias, dossiers, cadernos, esferográficas coloridas, lapiseiras 0.7, lápis de cera, regra e esquadro;
c) € 20.000 em alojamento, números redondos. Imaginemos regime de pensão completa. Façamos a conta supondo um gasto de € 400 por mês.

- É no Bairro Alto, Mãe! Muito sossegado! E já tem incluída uma senhora de idade que vai fazer a minha comidinha e tratar da roupita!

Ora, € 400 vezes 10 meses de pagamento, não contando com a caução ou adiantamento ou jóia, são € 4.000 por ano. Faz de conta que todos os anos o jovem estudante universitário procura uma casita ou um quartinho, ou que alguém aguenta dois meses o quartinho desocupado, à espera do regresso do estudante pródigo.

- O menino vá lá passar as suas férias com os paizinhos! Vá lá, vá! Eu espero até Setembro! E faço-lhe o bolinho de maçã que o menino gosta!

€ 4.000 por ano, durante 5 anos, está bom de ver, é só fazer as contas.
d) € 25 por mês para o passe social. Por € 400, o jovem deve ter encontrado alojamento dentro da cidade de Lisboa, portanto só precisa de passe de metro e autocarro. Ou só de metro, para onde é que quer ir? E com desconto de cartão jovem. (Existe desconto de cartão jovem nestes passes?!) Nem vamos contar com combustível. Este jovem é daquela minoria que não tem carro. Falta adicionar as despesas da deslocação a casa, à terrinha, aos fins de semana, ou duas vezes por mês. Portugal não é muito extenso, vamos adicionar € 50 por mês. Portanto, temos cerca de € 75 por mês para gastos com transportes. 10 meses de aulas, 5 anos de curso, seriam € 3.750.
e) € 12.000. Faltava a mesada. Sejamos optimistas também nisto: € 200 por mês. Ora, o tabaco e o café não conhecem férias, e as noitadas têm tendência para aumentar ainda mais nesta altura: seriam € 200 vezes 12 meses, durante 5 anos. É como o terceiro prémio do concurso do Arroz Cigala.

Não vamos contar orais de melhoria, revisões de prova, fotocópias de exames, impressos de matrícula, e outros formulários e actos vários. Ficam umas pelas outras. Confesso: não sei se alguma das 333 medidas do Simplex incidirá sobre estes procedimentos.

Esqueço algo importante, seguramente. Por certo, exagero algumas despesas. Perdão, investimentos. Também o Direito não é uma ciência exacta, que os Juristas não deixam. E bem.
Tudo junto, € 45.000.

Findo o curso, são € 100 para pagar o diploma, mais € 15 para o certificado de habilitações, porque o diploma demora cerca de 2 anos.

- Tem urgência no certificado? São mais € 15, faz favor!

São mais € 600 de inscrição na OA. Já se sabe: quem paga adiantado fica mal servido. Os 700 créditos necessários na segunda fase de Estágio, a uma razão de 25 créditos por acção de formação a um preço médio de € 30 por cada, custam cerca de € 840. Mais € 400 para a inscrição no exame de agregação. Grosso modo, € 1.840.
Sete anos depois, portanto, passaram cerca de € 47.000.

Talvez não seja muito. Talvez haja cursos mais caros. Além disso, há bolsas de estudo. E alojamento social. E há alunos de Lisboa e arredores. E não serão precisos tantos livros. E não precisa morar no Bairro Alto. E pode andar a pé, que Lisboa é um bairro. E não precisa ir a casa todos os fins de semana, que já não é nenhuma criança. E não precisa uma mesada tão grande. E pode bem ir trabalhar.

Não vou cair na tentação de ver nos números a polissemia com que as palavras sempre me acenam e que, por definição, não podem ter.