08 abril 2006

Intervir... ou não intervir?


Os Senhores Doutores Advogados decidiram que o Estagiário deve ter 10 intervenções em processos judiciais. Ora, o que sejam intervenções é uma coisa sobre a qual a doutrina se decide. A doutrina leia-se, os outros Senhores que trabalham na OA. Não sei se são Advogados, Advogados Estagiários, Engenheiros, Médicos, Astrofísicos, Matemáticos, ou outra coisa qualquer. É que no Regulamento Nacional de Estágio (RNE) não existe nenhuma definição para o que isso seja. O que faz sentido: o RNE não explica o que é uma coisa a que nele se faz referência, e que é essencial.
Senhores Doutores Advogados, é boa técnica legislativa definir no diploma os conceitos que nele vão ser usados.

Ora, parece que o único local onde o Estagiário pode saber o que é uma intervenção é um sítio na Internet, uma coisa chamada formare, num capítulo que se chama FAQ’s, ou seja, nas perguntas mais frequentes. Como no Continente online, se quiser saber se entregam as compras gratuitamente na minha morada, pergunto à OA se aquela participação, naquele processo, pode ser considerada.

O senso comum diria que intervenção num processo seria qualquer participação que o Estagiário nele tivesse. E, já agora, em qualquer fase do processo. Pois se é exigida, por lei, a presença de um Advogado, então o acto em que participar deveria ser contabilizado.
Ah, mas isto é a OA. Não é assim. Não é só isto.

Participar num reconhecimento judicial não conta. Participar num interrogatório que seja feito por um funcionário judicial não conta. Um adiamento de audiência de julgamento, se foi decidido por iniciativa do juiz não conta.

Qualquer destes actos é relevante aos olhos da lei. Não é relevante aos olhos da OA. E a opinião da OA é que interessa. Não sejamos legalistas inflexíveis. É a justiça do caso concreto que importa. QUE JUSTIÇA?!
O reconhecimento tem formalidades especiais determinadas no Código de Processo Penal. Para garantir o cumprimento dessas formalidades, lá está o Senhor Doutor Advogado. Pois pode lá estar, passar lá o dia, fiscalizar sete reconhecimentos, arguir dez nulidades, impedir vinte e três irregularidades, que é absolutamente irrelevante. Para a OA é como se não estivesse lá.

Pode o Ministério Público delegar a sua competência num funcionário judicial, que o interrogatório não valerá como intervenção. Se for o Senhor Manuel, Ministério Público, é contabilizado. Se for o Senhor Joaquim, funcionário judicial, não é compatibilizado. O mesmo acto. O mesmo tempo dispendido. A mesma aprendizagem (ou não). Mas não conta.

A audiência é aberta, o juiz oficiosamente promove o adiamento da audiência, as partes pronunciam-se. Não é contabilizado. Porque devia ser o Advogado Estagiário a promover o adiamento. Por acaso o juiz adiantou-se. Azar. Dizem na OA:
- Quem vai ao ar, perde o lugar! :-p
A tentação é inverter todos os princípios: deixa de interessar qualquer interesse ou direito do arguido, não importa nenhuma estratégia.
- Meritíssimo, ande lá com isso, que eu preciso desta intervenção!

Pior: não tenho a certeza quanto a isto que digo. Corre à boca pequena que estas coisas não contam. Mas há opiniões contrárias. E há o primo da vizinha do terceiro andar da rua que fica ao pé do mercado onde mora uma amiga do irmão de um sobrinho da afilhada de curso da melhor amiga do namorado de uma colega da faculdade da cunhada do padrasto de um amigo meu, que disse que talvez não seja assim. Disse ele:
- Talvez não seja assim.
E o pobre Estagiário não sabe, a uma semana de terminar a segunda fase do seu estágio (ou não), se tem ou não as dez intervenções que os Senhores Doutores Advogados decidiram que devia ter. Mas sabe que depende inteiramente da Senhora que lhe receber os documentos.
- O Senhor Doutor devia ter perguntado...
- Os Senhores Doutores deviam ter escrito.
Sucedem-se as desconsiderações da OA aos seus Estagiários. Ninguém está ali por gosto, está visto: nem a OA tem brio no que (não) faz, nem os Estagiários qualquer interesse na OA.

Convém fazer todo o mal de uma vez para que, por ser suportado durante menos tempo, pareça menos amargo, e o bem pouco a pouco, para melhor se saborear.
Maquiavel, O Príncipe

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

As divergências doutrinárias são muito engraçadas na faculdade, sobretudo para os professores que vão massajando o ego conforme discorrem sobre as várias posições sobre determinado assunto, por regra opiniões que parecem brilhantes mas que no fundo nem sempre o são. Há no entanto algo de bonito no meio de todas estas divergências que nos parecem inúteis - a liberdade do jurista. No intervir ou não intervir (e em tantas outras questões...) a situação, embora idêntica, padece de uma diferença fatal: a liberdade do intérprete é sempre coarctada pela opinião dominante que é a da sacrossanta OA.

09 abril, 2006  
Anonymous Anónimo said...

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22 dezembro, 2009  

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