04 abril 2006

Regulamente-se / Regula mente-se


Estive a ler o Regulamento Nacional de Estágio. Ok, não li. Não consegui terminar. Mas procurei-o. E guardei-o. E li as letras grandes, à falta de bonecos. Li esta epígrafe e aquela. Isto deverá ser tido em conta em minha defesa.
A minha intenção era ler tudo. Acho que um Advogado Estagiário deve ler o regulamento com base no qual a sua Ordem o quer educar. Como diria o velho Juiz Roy Bean, a personagem de um dos livros do Lucky Luke inspirada no verdadeiro Juiz, ao ler o Código Civil pela primeira vez:
- Deveria ter lido este código mais cedo! Está cheio de coisas interessantes e até mesmo úteis para um juiz!

Peguei no Regulamento e, como é lógico, comecei pelo início. Erro. Deveria saber que nada na OA segue uma lógica que o comum dos mortais perceba.

Artigo 1º
Fins do estágio
1. Cabe ao Conselho Geral, no exercício das suas competências estatutárias e em obediência às normas programáticas estabelecidas no Estatuto da Ordem dos Advogados, definir os princípios orientadores do estágio e da formação do advogado estagiário, visando a formulação de um modelo de estágio que sirva os objectivos de rigor e exigência pedagógica e científica, assente numa lógica de simplicidade de procedimentos burocráticos e administrativos.
2. O estágio tem por objectivo garantir uma formação adequada ao exercício da advocacia, de modo a que esta seja desempenhada de forma competente e responsável, designadamente nas suas vertentes técnica, científica e deontológica.

Depois de ler isto, desconcentrei-me um pouco. Não estou certo se o facto de estar a rebolar pelo chão, em estridentes gargalhadas, com uma lagriminha ao canto do olho, teve alguma coisa que ver com essa incapacidade em me centrar.
Permitam-me chamar a atenção para alguns pormenores.
O objectivo parece que é promover um estágio que sirva os objectivos de rigor e exigência pedagógica e científica. De quem? De quê? Não são quaisquer objectivos de rigor e exigência. São os objectivos. Que não se esclarecem. Serão os da OA, talvez. Atendendo, está visto, ao pouco rigor e exigência com que este Regulamento foi feito, temo o pior.

Também me diverte que seja preocupação do Conselho Geral fazer um estágio de simplicidade burocrática. Rebento de riso.
Dois anos de estágio.
Com duas fases.
Cada uma com exame obrigatório.
Relatórios de Patrono. Trimestrais. Em modelo aprovado.
Escalas.
Consultas. Três de cada matéria no máximo.
Intervenções. 10 pelo menos.
Créditos obtidos em acções de formação.
Diria que precisamos uma ideia tão brilhante quanto o Simplex: 333 medidas para desburocratizar!

Este brilhante estágio não burocratizado teria como objectivo formar o jovem licenciado no sentido de poder desempenhar a sua profissão, se for disso considerado digno, de forma competente e responsável, designadamente nas suas vertentes técnica, científica e deontológica. Ora bem, as vertentes técnica e científica, se são diferentes, já estudei na faculdade. Muito obrigado pela lembrança, mas já tenho. A experiência limá-la-á, mas mais formação talvez se não justifique.
A vertente deontológica talvez faça sentido. Mas então, não inventem mais matérias que esta para ocupar as horas de aulas na OA. E algumas aulas devem ser suficientes. Com deontologia a sério. Não me expliquem outra vez que a quota litis é proibida e que o Advogado mais novo visita o mais velho. Dois anos, ainda que seja para percorrer todo o Estatuto da OA, parece muito. Mas eu sou impaciente, é verdade.
De todo o modo, Senhores Doutores Advogados, ser boa pessoa não se aprende. E ser bom Advogado, na vertente deontológica, é só uma consequência de ser boa pessoa.

Já agora, uma curiosidade: sabem que não existe nenhum artigo, neste Regulamento, com os direitos dos Advogados Estagiários, mas há dois com os deveres?

Mas o pescoço de K. tinha à sua volta as mãos de um dos senhores, enquanto que o outro lhe espetava a faca no coração e aí a rodava duas vezes. Com os olhos moribundos, K. ainda viu como os senhores, de faces coladas uma à outra, mesmo em frente do seu rosto, observavam a sentença. “Como um cão!” disse ele, era como se a vergonha lhe devesse sobreviver.
Franz Kafka, O Processo

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Como te compreendo, meu desconhecido amigo(a).Como te compreendo!!!Mas sabes que mais???Eu até os compreendo, a eles, aos Senhores Doutores Advogados.Ele é que não nos compreendem.Ou se calhar até compreendem, mas desculpa a expressão "estão se cagando"!!!Nós até somos futuros concorrentes deles, já reparaste?E pelos vistos nós SOMOS TEMÍVEIS!!!!Daí esta colonização, meu caro(a).
Um grande abraço beijinho.

25 fevereiro, 2008  

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