12 abril 2006

El-Rei Seleuco

Sindicato: associação de indivíduos de uma classe ou grupo profissional para a defesa dos seus interesses profissionais e económicos. Confesso: a definição é do www.priberam.pt. Mas do Houaiss retirar-se-ia um significado semelhante, seguramente.
Um problema dos sindicatos: defendem, por definição, os interesses dos seus profissionais. Não dos profissionais to be, dos que... are!

OA: denomina-se Ordem dos Advogados a instituição representativa dos licenciados em Direito que, em conformidade com os preceitos deste Estatuto e demais disposições legais aplicáveis, exercem a advocacia. Artigo 1º, nr. 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados.

As semelhanças existem. Ou talvez seja só o meu mau feitio paranóico. É um risco. Reparem:
1. É necessário pagamento à entrada.
2. A estadia não é gratuita.
3. Defendem-se os interesses da classe.

Ora, os interesses da classe são os meus interesses. Para o que agora aqui importa.
É do interesse da classe que a OA se intrometa em tudo o que diga respeito à Justiça.
É do interesse da classe que a OA faça muitas conferências. E diga muitas coisas. E apresente projectos. E seja ouvida. E elabore pareceres. E tenha muitas ideias.
É do interesse da classe que a OA seja convidada para debates na televisão. E na rádio. E que escreva artigos em jornais.
E a classe beneficia também, julgo eu. Ficam todos os Advogados muito importantes também. Com a toga sobre os ombros e os códigos debaixo do braço. Os Advogados beneficiam do prestígio da OA. Como a OA do prestígio dos Advogados. Fazem parte do mesmo grupo. Do mesmo clube privado. Uma mão lava a outra.

E há uma outra semelhança:
4. Defendem os membros que já lá estão.
Como qualquer clube privado, não pode entrar qualquer um. Se assim não fosse, todos saberiam que não se passa nada de especial lá dentro. E depois de entrar, ninguém o confessa para que não perca sentido o esforço feito na entrada. O rei vai nu.

O problema não é (só), na verdade, entrar neste clube privado. É ser obrigado a entrar. Porque se não quiser, se não gostar do cartão de sócio, se não gostar da sede, se não gostar das actividades de fim de semana, se não gostar do presidente (a que gostamos de chamar bastonário), se não gostar do logótipo, não posso ser Advogado.

Até a inscrição nos sindicatos é absolutamente livre. Nem a Constituição permite o contrário. A mesma Constituição que prevê a absoluta liberdade na escolha da profissão. É verdade: prevê a liberdade na escolha, não no exercício. Também é verdade: prevê, não promove. O sumo legislador. Ao seu melhor nível.

- Minha mãe, vou estudar Direito!
- Meu rico menino, que vais ser Doutor!

Vai ser... talvez. Só sete anos depois é que se vai saber. Porque os Senhores que estão à entrada do clube são rigorosos: querem saber se o Senhor Doutor Estagiário consultou dez processos; se participou em alguns actos processuais; se frequentou as acções de formação suficientes; se já deixou o chequezinho na entrada. Prova de fogo.

Edital
Vilões:
Eis-me, e digo-vos que sou de carne e osso.
Trago a tirania e a forca: tudo o que vos é preciso.
Exijo somente que me beijeis a mão de ano a ano, e eu serei vosso chefe e vos castigarei.
Que responda por vós a vossa cobardia.
Seleuco

Miguel Torga, Contos