Só mais uma tentativa
Li algures que o Regulamento Nacional de Estágio foi alterado. Mais uma tentativa (falhada). Mais uma oportunidade (perdida). Eu sei que não devia parecer tão surpreso. Que a mudança já ocorreu há algum tempo. Que já devia saber. Que já devia ter lido o novo Regulamento. Tudo verdade. Mas não.
Parece que o estágio passou de 18 para 24 meses. E o exame oral é agora obrigatório. Para quem tiver 10 valores ou mais no exame escrito. Quem tiver menos volta à casa de partida, bem entendido. Nas faculdades ter determinada nota dá direito a dispensar o exame oral. Na OA dá direito a fazer oral.
O preâmbulo, que, dirão alguns constitucionalistas, não tem força de lei, explica porque se mudou o Regulamento: foram condensados os exactos momentos em que os requerimentos devem ser apresentados. Pronto... É um avanço...
O sistema de créditos que existia foi abandonado. Porque o estagiário abusou. É o costume: dá-se uma mão às crianças e elas tomam logo o braço todo. Generalizou-se assim a ideia de que o mais importante era somar créditos, em detrimento da ideia de que o importante era apreender conceitos e conhecimentos através de tais acções de formação, escolhidas criteriosamente. As acções de formação, se valem por si, não devem dar créditos. Não se diz a uma criança que deve portar-se bem para ter direito a um doce. Diz-se que o deve fazer porque é o que está certo.
Quanto a serem criteriosamente escolhidas, permito-me gargalhar. Algumas acções resultam em aprendizagem para quem as frequenta. Verdade. Mas também no prestígio para quem as lecciona. E no crédito, para o cofre da OA, que os estagiários entregam adiantado para terem os seus créditos.
Escreve-se também que sobre os Conselhos Distritais da OA passará a impender tão só e apenas a obrigação de procederem a uma verificação sobre o cumprimento, pelos Advogados Estagiários, das formalidades do estágio, sem que seja necessário que emitam quaisquer juízos de mérito. Não se reconhece que a entrega de relatórios de consulta, de relatórios de intervenções é inútil, mas é um começo.
Com isso termina também a obrigatoriedade de os estagiários terem dez intervenções para apresentar. Mas continuam a ser obrigados a fazer escalas. A OA continua a dar o seu inestimável contributo para o funcionamento da Justiça: fornecendo mão de obra. E é perfeitamente inútil para o estagiário. Uma obrigação que outros assumiram por ele, que o vincula, à qual se não pode furtar. Mas é para o bem dele. Para aprender. Para o fazer Advogado. Como a tropa faz homens. Por acaso, ou não, o serviço militar já não é obrigatório.
Um criado da quinta alumiava adiante com o lampião; e o moço das Silveiras levava ao colo o Eusebiozinho, que parecia um fardo escuro, abafado em mantas, com um xaile amarrado na cabeça.
Os Maias, Eça de Queirós
O preâmbulo não explica porque aumenta o período de estágio para dois anos. Talvez tenha sido apenas porque é um número mais redondinho e isso não era bonito o suficiente para ficar escrito. Ou talvez porque é tão absurdo que nem tentaram explicá-lo. Ou talvez porque o sentido de impunidade é tal que não há a preocupação em justificar as suas opções. A OA é independente. Autónoma. Irresponsável. Faz o que lhe dá na real gana. Sem ter que apresentar qualquer justificação. É assim porque sim. É assim que se educam as crianças.
Ia abraçar Carlos outra vez entusiasmado, mas o rapaz fugiu-lhe com uma bela risada, saltou do terraço, foi pendurar-se de um trapézio armado entre as árvores e ficou lá, e ficou lá, balançando-se em cadência, forte e airoso, gritando: “Tu és o Vilaça.”
Os Maias, Eça de Queirós
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