18 outubro 2006

Ao Capitão Haddock

Um bom coscuvilheiro não deve nunca revelar as suas fontes. Também não o farei. Mas tive acesso a uns pareceres emitidos por Suas Excelências os formadores da não menos Excelente OA.
E fico indignado. Irritado. Revoltado. Zangado. Irado. E enfadado. Cansado. Aborrecido. Enfastiado.

- Fibusteiros, marinheiros de água doce, colocíntidas, cabeças de martelo, fanfarrões de orquestra, mamelucos, patagónios!

Num parecer de recurso de prática processual civil, em que se censura a falta de rigor na prova apreciada, para além de uma clara dificuldade no uso de vírgulas e acentos, há erros de concordância de número e género entre artigos e substantivos, entre pessoa e forma verbal e gralhas várias, injustificadas, que qualquer corrector ortográfico evitaria ao Senhor Corrector.

- Subprodutos de ectoplasma, rocamboles, pterodáctilos, sacripantas, cretinos dos Alpes, coloquintas, saltimbancos amestrados, saguins!

Num parecer sobre um exame de deontologia, lê-se, ipsis verbis:

“Podemos, no entanto, adiantar que falece de razão a pretensão da requerente.
O que está em causa e o que foi valorado e corresponde aos 1,35 valores, em 1,5 possível, com que foi classificada a sua resposta no seu todo.
Assim sendo, não merece reparo a classificação atribuída.”

Já o parecer de revisão, deixa muito a desejar. O que se transcreve é a justificação dada. Não foi nada cortado, são estes três parágrafos que fundamentam a decisão de não subir a nota. Talvez de subir o suficiente para o Estagiário poder fazer oral. Ou dispensar. Não deve ser impressão minha o facto de faltarem palavras. A fundamentação, propriamente dita. O que é que, por obséquio, está em causa, afinal?

- Galináceos, espécie de babuínos, cercopitecos, velhacos feitos de extracto de cretino, espécie de logaritmos, espécie de equilibristas!

Diz-se num outro, também de deontologia:

“Ora, não cumpre nesta fase, concordar ou não com a classificação atribuída na grelha, mas antes ajustar e compaginar a resposta com a mesma.”

Quando será, afinal, o momento de contestar a douta grelha de correcção? Podemos? E a quem? Talvez fosse conveniente discutir-se a grelha enquanto ela ainda está a ser usada. O Venerando formador de recurso não nega que a grelha seja imperfeita. O que diz é que isso não interessa nada. Está na grelha, é lei. Dura lex, sed lex.

- Velhos pepinos, bugres subnutridos, zebróides, protozoários, sapos do deserto, selvagens preparados com molho tártaro, piróforos!

[...] Reconheço que o que tenho que esperar é que este dia acabe, como todos os dias. [...] Esperar? Que tenho eu que espere? O dia não me promete mais que o dia, e eu sei que ele tem um decurso e fim.
Bernardo Soares, O Livro do Desassossego