18 fevereiro 2007

ReferendO-A?

Os cidadãos eleitores recenseados em território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, em matérias das respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.
Artigo 115.º/1 da Constituição da República Portuguesa

Enquanto cidadão eleitor recenseado em território da OA, gostaria que o Presidente dessa OA, mediante proposta do Conselho Geral ou de um dos Conselhos Distritais, me convocasse para me pronunciar directamente sobre matérias das suas competências.
Por exemplo... deixem-me pensar... a ver... Pensa AR, pensa... ora bem, só se fosse... portanto... olha, já sei:
Concorda com a interrupção forçada da actividade profissional, que se chamará estágio, quando feita por arbítrio da OA, desde que realizada em estabelecimento licenciado pela mesma OA, mediante a entrega de um valor simbólico que não será retribuído?

Por mim, acho que votaria não. No entanto, nada que uma campanha esclarecedora não seja capaz de solidificar.

- Vota sim! A OA é já uma coisa que existe! Mesmo que não sobreviva sozinha, que não se possa cuidar sem a ajuda dos Advogados (e Estagiários) que a sustentam. É preciso defender quem não se pode defender a si próprio!

- Vota não! A OA não tem vida própria, não é um ser! Não tem sentimentos, não tem utilidade, não tem vontade! Só deve ser permitida por aqueles que a intimamente a desejem, que estejam preparados para dividir tudo com ela, que a tenham planeado e aguardem com ansiedade.

E depois há uma terceira via:
- Mas a inscrição na OA é facultativa?
- Sim!
- Mas posso ser Advogado sem me inscrever?
- Não!
- Mas o que me acontece se exercer Advocacia sem me inscrever na OA?
- Nada! Pode exercer! Só que é proibido! Mas pode exercer! Mas é proibido!

É preciso ter condições (nem me refiro às psicológicas) para suportar a OA. O curso não dá dinheiro – se der bolsa que alimente a alma em livros e propinas, não chega para alimentar o corpo em estadia e alimentação – e o estágio é um prolongamento do curso: também não dá dinheiro e dizem que a intenção é formar o estagiário.
Se os pais não puderem ou quiserem – que estão no seu direito de não querer sustentar os vícios académicos do jovem que vai quase com 30 anos – e não for cliente do BES, o estagiário tem um problema sério. Se trabalhar, não estagia; se estagiar, não trabalha; se não estagiar não se pode inscrever na OA e nunca pode exercer a Advocacia; se não trabalhar, não tem dinheiro para se sustentar e sustentar a OA.

E não há instituições de apoio ao jovem estagiário. Não há bolsas que suportem o estágio: ou o jovem está a estudar ou fazer uma pós-graduação ou mestrado. Ou o estágio é parte do percurso curricular – e está coberto pela bolsa de estudante – ou é remunerado. E depois há os estágios de Direito: nem uma coisa nem outra, antes pelo contrário.

Se querem forçar a interrupção da actividade profissional, deveriam criar condições para isso. Que nem todos precisam, é verdade. Mas então seria ainda mais fácil criar essas estruturas de apoio para garantir a sobrevivência do estagiário durante os 3 longos anos de estágio forçado.

- Ninguém pode ser Advogado sem a OA! É aí que se aprende tudo! A faculdade é muito teórica, não se aprendem as coisas práticas que a Sacrossanta OA está preparada para ensinar!
- Não se espera a abolição da OA. Mas só se inscreve quem quer. Por sua conta e risco.
Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe. Que era para o meu bem. Que viesse. Que me inscrevesse. Que me iam ensinar coisas importantes. Que toda a sabedoria estava ali, ao alcance de um cheque. Que confiasse. No que nos faz crer a ingenuidade.

Começava então de querer cair a calma e no caminho, com a pressa que eu levava por fugir a ela, ou pola desaventura que me levava, três ou quatro vezes caí, mas eu, que depois de triste cuidei que não tinha mais que temer, não olhei nada por aquilo em que parece que Deus me queria avisar da mudança que depois havia de vir. [...] Eu que os olhos levava ali postos, comecei a cuidar como nas cousas que não tinham entendimento havia também fazerem-se üas às outras nojo, e estava ali aprendendo tomar algum conforto no meu mal, que assi aquele penedo estava ali anojando aquela ágoa que queria ir seu caminho, como as minhas desaventuras noutro tempo soíam fazer a tudo o que mais queria, que agora já não quero nada. E crecia-me daquilo um pesar, porque a cabo do penedo tomava a ágoa a juntar-se e ir seu caminho sem estrondo algum, mas antes parecia que corria ali mais depressa que pela outra parte, e dizia eu que seria aquilo por se apartar mais asinha daquele penedo, imigo de seu curso natural que, como por força, ali estava.
Bernardim Ribeiro, Menina e Moça

11 fevereiro 2007

Bucolismo

A caça ao estagiário, na OA, abre duas vezes por ano: em Janeiro e Setembro. Se for finalista da licenciatura, posso terminar o curso na época especial de Dezembro, o que obriga a que faça A oral final em Janeiro.
Pode parecer que se coordenaram as duas instituições. Nem pensar! As aulas da OA só começam em Março: porque fecham as inscrições em Janeiro?

A minha fonte do costume (a prima que engravidou do vizinho do compadre da minha cunhada, que era boa moça mas que se meteu com um homem casado, que se mudou para a casa atrás do campo que já tinha sido do padre quando ele morava com a afilhada que tinha vindo da província para estudar mas que nunca se soube o que estudava), contou-me mais uma coscuvilhice:

(Era uma vez) um rapaz ia fazer A oral final algures em Janeiro. Foi adiada por motivos que deus saberá mas não partilha. Foi marcada para uma semana depois, exactamente para a véspera do final do prazo para as inscrições na OA.
Ora, assim que o mero rapaz passou a ser Mui Ilustre, pensou em apresentar o seu cheque/inscrição na OA. E fê-lo.

- Bom dia! Eu gostaria de me inscrever para o estágio!
- Senhor Doutor, tem o chequezinho, Senhor Doutor? E o patronozinho, Senhor Doutor?

O infeliz andou a correr de um lado para o outro, entre arranjar certificado de habilitações, assento de nascimento, registo criminal, fotografias, dinheirinho. Não teve tempo, de um dia para o outro, de enviar currículos, ir a entrevistas, arranjar um estágio.

- Mas eu pensei que o patrono davam cá vocês!

Parece que não. De antes, quando o pobre estagiário não arranjava em tempo um patrono, os Senhores da OA deixavam que se inscrevesse mesmo assim e depois sugeriam eles próprios alguns advogados que estivessem disponíveis para receber o estagiário. Diz que isso mudou agora.
Eu já tinha dúvidas quanto à utilidade da OA. Agora tenho a certeza. Que raio de organização! Que bicho inútil!
Aumentam o período de estágio, mas continuam sem prestar serviços.

E o desgraçado que teve o azar de ter o exame adiado, que só se fez Ilustre na véspera no fecho das inscrições, fica em fila de espera, até Setembro, para poder começar um estágio de três anos. Como se a vida de cada um dos licenciados em Direito pudesse/devesse ficar em suspenso, de acordo com os calendários que os Senhores da OA decidem. Com as regras que querem. Com os custos que querem. Uma pasmaceira de que só se gosta depois dos 100 anos. Numa calmaria que só se compreende pela vetusta idade da OA. Mas que os jovens licenciados não têm? Um bucolismo que passou de época.
Não se pode referendar esta OA?

Instante
A cena é muda e breve:
Num lameiro,
Um cordeiro
A pastar ao de leve;

Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer;
E a vida
Pára também, a ver.
Miguel Torga, Diário II